Sobre o Impacto das Negociações do Direito de Imagem e de Transmissão nos Jogos do Campeonato Brasileiro de Futebol: as consequências para os torcedores, usuários de aplicativos relacionados ao esporte e as mudanças nas transmissões em 2019

BEDNARCZUK GARMATTER, Bruna[1]

ZAMBAO, Lara Helena Luiza[2]

 

Resumo

O presente artigo tem por objeto a análise dos direitos de imagem e transmissão dos jogos de futebol no Brasil, abordando a ausência de uma liga nacional como fator preponderante para o uso de novas tecnologias na transmissão de imagem dos jogos do Campeonato Brasileiro.

 

Sobre a organização do Futebol no Brasil

A identidade brasileira é marcada pelo processo de “nacionalização” do futebol, visto que jogar ou apreciar o esporte já está intrínseco a cultura do país, é mais que a disputa por um jogo, é a formação e consolidação da identidade individual ou coletiva.[3]

Um dos reflexos desta paixão nacional é a criação, no ano de 2011, da Secretaria Nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor, em substituição à Assessoria Especial de Futebol, órgão integrante do Ministério da Cidadania – em cujo portal eletrônico consta informações de natureza regulamentadora, como o Estatuto de Defesa do Torcedor.[4]

A organização do esporte no país é de competência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), fundada em 1916, cujo objetivo é liderar e promover a prática esportiva do futebol no Brasil [5], sendo livre a associação dos times em ligas.

No ano de 1987, com o intuito de ganhar força e maior poder de negociação, foi criado o Clube dos 13[6], uma liga nacional composta pelos maiores times do país e responsável pelas tratativas de cessão dos direitos de imagem nas transmissões dos jogos diretamente com as emissoras.

Atritos gerados pela diferença nos valores repassados aos times propiciaram a desfiliação maciça dos clubes, sendo sua existência hoje apenas formal.

 

Sobre os Direitos de Imagem no Contexto do Futebol Brasileiro e sua Relação com a Economia dos Clubes

Paralelamente aos estatutos e confederação supracitados tem-se os direitos autorais dos times, pessoas jurídicas de direito privado administradas, muitas vezes, por grupos empresariais multinacionais, cujo patrimônio.[7]

Neste ínterim, faz-se mister mencionar a relação existente entre os direitos autorais e a propriedade material que dele se origina. Para Ascensão, “opera-se uma desmaterialização da economia, que vai tornando estratégicos bens cada vez mais abstractos, mais afastados da realidade imediatamente captável. É o que acontece com os direitos intelectuais, que por natureza estão perfeitamente adaptados ao caráter predominantemente virtual da vida econômica contemporânea”.[8]

Hoje, parte considerável da renda dos times está diretamente relacionada ao capital gerado pela comercialização dos direitos de imagem, sejam eles oriundos da própria marca – por meio da venda de camisas e  objetos –, publicidade – patrocínios aplicados nos uniformes e peças publicitárias-, e negociações que envolvem a cessão dos direitos de imagem na transmissão dos jogos, o qual se mostra como uma das principais formas de arrecadação para os times. [9]

No Brasil, o dispositivo que regulamenta a gestão coletiva de direitos de imagem é a lei no 12.853, de 14 de agosto de 2013[10], que modificou o conteúdo da lei no 9.610 de 1998, a qual trata dos direitos autorais. Por este dispositivo, em seu artigo 5o, XV, tem-se por titular originárioo autor de obra intelectual, o intérprete, o executante, o produtor fonográfico e as empresas de radiodifusão”.

ainda, o direito autoral é considerado uma importante forma de proteção à imagem, transmissão e produtos, que são altamente difundidos pela facilidade de comunicação.

Exemplo disso são os símbolos próprios que caracterizam os clubes, como os mascotes, uma vez que possuem sinais característicos da entidade que representam, e por isto, são propriedades exclusivas do clube. É o que preceitua o art. 87 da Lei n.º 9.615/1998 (Lei Pelé), conforme alude o art. 87 “A denominação e os símbolos de entidade de administração do desporto ou prática, bem como o nome ou apelido desportivo do atleta profissional, são de propriedade exclusiva dos mesmos, contando com a proteção legal, válida para todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação em órgão competente.”

Cumpre ressaltar o direito de transmissão, que segundo a o artigo 42 e parágrafos seguintes da lei Pelé, pertence às entidades de prática desportiva, as quais possuem prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.

Tal direito, bem como suas restrições de utilização por terceiros, estende-se também àqueles que colocam em plataformas onlines, como o youtube, o qual permite a remoção dos conteúdos que porventura firam os direitos autorais, por meio de uma ferramenta própria do Sistema de Content ID.

Ainda no que concerne aos direitos de transmissão de imagem, André Gribel de Castro Minervino faz relevante análise sobre o histórico no esporte e a titularidade das negociações no país. Segundo o autor, “é assegurada às entidades desportivas a titularidade da negociação e cobrança de contraprestação pela transmissão, por quaisquer meios ou processos, da imagem coletiva que é o jogo de futebol. Entidades desportivas são pessoas jurídicas de direito privado com competências definidas em estatutos próprios. Dessa forma, mesmo as entidades de administração do desporto (confederações e federações) poderão ser titulares dos direitos de transmissão. Confere a legislação à entidade desportiva a possibilidade de explorar a imagem coletiva surgida do espetáculo desportivo, sendo-lhe facultado negociar, firmar contrato e cobrar quantia pecuniária ou não pela autorização dada à emissora”.[11]

Sobre a realidade fática do acima exposto, o autor reitera que, até o ano de 2011, as negociações de direitos de imagem eram feitas coletivamente, lideradas pelo Clube dos 13[12] – liga responsável pela representação dos maiores times do país – o qual intermediava as transações e procedia com o repasse aos clubes, de forma não igualitária. Neste contexto, os clubes de maior visibilidade recebiam maior valor pela concessão dos direitos de transmissão das partidas, gerando profunda insatisfação por parte dos times menos favorecidos e o fim da representação una[13].

 

Os impactos da ausência de uma liga organizada e a inserção das novas tecnologias na transmissão dos jogos

O método de organização do esporte no país tem reflexos na economia e na forma como seus expectadores com ele interagem. Ao contrário do que ocorre na Europa, que possui uma liga oficial dos times, a UEFA Champions League[14], o Brasil não possui hoje uma liga nacional. O resultado da ausência de unificação tornou-se evidente no presente ano, mais especificamente no que concerne à transmissão dos jogos do Campeonato Brasileiro de 2019[15], e às negociações que geraram esse impacto.

No Brasil, as emissoras e veículos de comunicação negociam os direitos de transmissão com cada time, de forma independente. Conforme legislação exposta nos parágrafos iniciais deste artigo, cabem às emissoras e aos clubes as negociações sobre valores de cessão das imagens, bem como a inserção dos times em aplicativos de jogos.

Com a não existência de uma liga nacional, emissoras e times procederam com acordos individuais em um mesmo campeonato. O impasse consiste no fato de que, para que a transmissão dos jogos ocorra, de acordo com a legislação nacional, faz-se necessária a anuência de ambos os times em campo e, em 2019, haverá casos em que um time cedeu os direitos para uma emissora e o seu oponente, para outra, além de clubes que não estarão presentes nos aplicativos de jogos.

Ainda, há divergências nos contratos celebrados entre emissoras de tv aberta e fechada[16], deixando descontentes muitos dos torcedores que optam por pagar canais específicos para acompanhar regularmente seu time, que pode não ter sua imagem veiculada em vários jogos cujos oponentes não tenham realizado acordo com o mesmo canal.

A solução para o problema gerado – também para coibir práticas de pirataria – pode estar na internet, mais especificamente nas redes sociais e serviços de streaming, como o DAZN[17], pertencente ao grupo Perform e o mais novo serviço de streaming no país. Segundo a empresa, a plataforma terá aplicativos em dispositivos diversos, como tablets, computadores, celulares, smart TVs, e consoles de videogame, garantindo ao torcedor a escolha do acesso que lhe for conveniente.

Embora tais mudanças tenham afetado consideravelmente a forma como o brasileiro participa do esporte, interessante se torna a observação da relevância dos direitos autorais no país, da dimensão por eles alcançada, da sua importância econômica e da inserção de novas tecnologias como solução para novos impasses.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

[1] As empresas por trás dos times de futebol mais valiosos do mundo. Disponível em: <https://forbes.uol.com.br/negocios/2017/07/as-empresas-por-tras-dos-times-de-futebol-mais-valiosos-do-mundo/>. Acesso em 02 abril, 2019.

 

[2] ASCENSÃO. J. Oliveira. Direito de Autor e Autor Sem Obra. Boletim da Faculdade de Direito. Stvdia Ivridica. Universidade de Coimbra. P.94.

 

[3] Clube dos 13 foi fundado em 1987 para negociar direitos de transmissão e organizar o Brasileiro. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/esportes/clube-dos-13-foi-fundado-em-1987-para-negociar-direitos-de-transmissao-organizar-brasileiro-2819872>. Acesso em 30 março, 2019.

 

[4] CÓDIGO CIVIL. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20112014/2013/Lei/L12853.htm#art2>. Acesso em 02 abril, 2019.

 

[5] Como as mudanças nos direitos de TV vão afetar a sua vida no futebol em 2019. Disponível em: < https://www.torcedores.com/noticias/2018/12/mudancas-nos-direitos-de-tv-futebol-2019>. Acesso em 21 março, 2019.

 

[6] Como um time de futebol se sustenta? Disponível em: <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-um-time-de-futebol-se-sustenta/>. Acesso em 08 abril, 2019.

 

[7] Direitos de transmissão de eventos esportivos. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/direitos-de-transmissao-de-eventos-esportivos-22042017> Acesso em 30 março, 2019

 

[8] Disponível em: <http://www.esporte.gov.br/index.php/institucional/futebol-e-direitos-do-torcedor/missao>. Acesso em 18 março, 2019.

 

[9] Disponível em: <https://watch.dazn.com/pt-BR/sports/>. Acesso em 23 abril, 2019.

 

[10] Disponível em: <https://www.uefa.com/uefachampionsleague/index.html> Acesso em 02 abril, 2019.

 

[11] HISTÓRICO CBF. Disponível em: <https://www.cbf.com.br/a-cbf/institucional/index/a-cbf>. Acesso em 15 março, 2019.

 

[12] Implodido em 2011, Clube dos 13 permanece vivo por conta de dívida milionária com ex-diretor. Disponível em: <http://www.espn.com.br/noticia/707358_implodido-em-2011-clube-dos-13-permanece-vivo-por-conta-de-divida-milionaria-com-ex-diretor>. Acesso em 30 março, 2019.

 

[13] Nova distribuição do Brasileiro na TV força clubes a reorganizar finanças. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2019/01/nova-distribuicao-do-brasileiro-na-tv-forca-clubes-a-reorganizar-financas.shtml>. Acesso em 08 abril, 2019.

 

[14] PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania: uma historia social do futebol no Rio de Janeiro (1902-1938). 1998. 380f. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: <http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/280018>. Acesso em 23 março, 2019.

[1] Graduanda do 2º ano do curso de Direito no Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba) e pesquisadora padawan do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial (GEDAI) da Universidade Federal do Paraná

[2] Graduanda do 4º ano do curso de Direito no Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba) e pesquisadora padawan do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial (GEDAI) da Universidade Federal do Paraná

[3] PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Footballmania: uma historia social do futebol no Rio de Janeiro (1902-1938). 1998. 380f. Tese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: <http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/280018>. Acesso em: 23 março. 2019.

[4] Disponível em: <http://www.esporte.gov.br/index.php/institucional/futebol-e-direitos-do-torcedor/missao>. Acesso em 18 março2019.

[5] HISTÓRICO CBF. Disponível em: <https://www.cbf.com.br/a-cbf/institucional/index/a-cbf> Acesso em: 15 março 2019.

[6] Clube dos 13 foi fundado em 1987 para negociar direitos de transmissão e organizar o Brasileiro. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/esportes/clube-dos-13-foi-fundado-em-1987-para-negociar-direitos-de-transmissao-organizar-brasileiro-2819872>. Acesso em 30 março 2019.

[7] As empresas por trás dos times de futebol mais valiosos do mundo, Disponível em: <https://forbes.uol.com.br/negocios/2017/07/as-empresas-por-tras-dos-times-de-futebol-mais-valiosos-do-mundo/>. Acesso em:  02 abril 2019.

[8] ASCENSÃO. J. Oliveira. Direito de Autor e Autor Sem Obra. Boletim da Faculdade de Direito. Stvdia Ivridica. Universidade de Coimbra. P.94.

[9] Como um time de futebol se sustenta?. Disponível em: <https://super.abril.com.br/mundo-estranho/como-um-time-de-futebol-se-sustenta/> Acesso em: Data de Acesso: 08/04/2019

Data de acesso: 02/04/2019.

[10] CÓDIGO CIVIL. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12853.htm#art2>. Acesso em: 02 de abril 2019.

[11] Direitos de transmissão de eventos esportivos. Disponível em: <https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/direitos-de-transmissao-de-eventos-esportivos-22042017> Acesso em: 30 março 2019

[12]  Clube dos 13 foi fundado em 1987 para negociar direitos de transmissão e organizar o Brasileiro. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/esportes/clube-dos-13-foi-fundado-em-1987-para-negociar-direitos-de-transmissao-organizar-brasileiro-2819872>. Acesso em 30 março 2019.

Data de acesso: 30/03/2019.

[13] Implodido em 2011, Clube dos 13 permanece vivo por conta de dívida milionária com ex-diretor. Disponível em: <http://www.espn.com.br/noticia/707358_implodido-em-2011-clube-dos-13-permanece-vivo-por-conta-de-divida-milionaria-com-ex-diretor>. Acesso em: 30 março 2019.

[14] Disponível em: <https://www.uefa.com/uefachampionsleague/index.html> Acesso em: 02 abril 2019.

Data de Acesso: 02/04/2019

[15] Como as mudanças nos direitos de TV vão afetar a sua vida no futebol em 2019. Disponível em: < https://www.torcedores.com/noticias/2018/12/mudancas-nos-direitos-de-tv-futebol-2019>. Acesso em: 21  março 2019

[16] Nova distribuição do Brasileiro na TV força clubes a reorganizar finanças. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/esporte/2019/01/nova-distribuicao-do-brasileiro-na-tv-forca-clubes-a-reorganizar-financas.shtml>. Acesso em: 08 abril 2019.

[17]Disponível em: <https://watch.dazn.com/pt-BR/sports/>. Acesso em  23 abril 2019.

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