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Um relato do caso Oracle vs. Google

UM RELATO DO CASO ORACLE VS. GOOGLE[1]

Lukas Ruthes Gonçalves[2]

 

INTRODUÇÃO

O embate Oracle America, Inc. v. Google, Inc.[3] na justiça americana é um dos mais recentes na discussão da Propriedade Intelectual nos programas de computador. O caso coloca frente à frente dois gigantes da tecnologia. Eles discutem se partes da linguagem Java desenvolvida pela Sun Microsystems (comprada pela Oracle em 2010) pertenceriam a ela ou não. Do mesmo modo, debatem se pelo fato de esses trechos de programação serem essenciais para a “conversa” entre diferentes sistemas, eles seriam de domínio público e livres para serem utilizados por qualquer um.

No caso analisado na presente pesquisa, a Oracle moveu ação judicial contra a Google alegando que esta teria se apropriado de trechos de linguagens de programação do Java – os APIs -, para o desenvolvimento de seu sistema Android. Em sendo assim, a Google teria infringido a Propriedade Intelectual da Oracle. A Google, em sua defesa, por outro lado, argumentou que os trechos de código desenvolvidos pela primeira não seriam passíveis de proteção por Copyright[4] por consistirem de trechos de programação essenciais para a comunicação entre diferentes sistemas, devendo, portanto, ser considerados como domínio público.

A ação se iniciou em 2010 e continua a correr, já tendo sido julgado por duas Cortes distritais e a Corte Federal do Nono Circuito. Tratar-se-á, assim, da discussão ocorrida entre 2012 e 2014, a qual corresponde ao primeiro julgamento da corte distrital da Califórnia e da Corte Federal do nono circuito, pois tratavam justamente se o objeto (os APIs) poderia ter alguém como dono ou não.

Desse modo, far-se-á um relato da fase da ação entre Oracle e Google que vai de 2012 até 2014, com os principais argumentos utilizados pelas partes a respeito da possibilidade da proteção da linguagem Java por Copyright.

O CASO ORACLE AMERICA, INC. V. GOOGLE, INC.

A disputa de Copyright entre as empresas Oracle e Google envolvia 37 pacotes de código-fonte, os quais, conforme visto anteriormente, eram chamados de APIs. A primeira empresa moveu ação judicial em face da segunda na Corte distrital da Califórnia, alegando que o sistema operacional Android da Google infringia os Direitos de Propriedade Intelectual da Oracle na utilização desses 37 pacotes.

Essa Corte Distrital determinara que a Google teria de fato replicado esses 37 pacotes de API (incluindo sua estrutura, sequência e organização), mas considerou que esses pacotes não estariam sujeitos a proteção de Copyright. Em decorrência dessa decisão, a Oracle apelou para a Corte Federal do Nono Circuito por considerar que esses pacotes estariam sim sujeitos à proteção pelo Copyright, por serem de sua autoria e possuírem elementos criativos suficientes para determinar sua titularidade sobre a programação.

Em sua defesa, a Google argumentou que (1) haveria somente uma maneira de se escrever o método Java de modo a permanecer funcional com outros sistemas; e (2) a organização e a estrutura dos 37 pacotes API Java seria uma “estrutura de comando” excluída da proteção de Copyright de acordo com a já mencionada seção 102(b) do DMCA[5]. Assim se lê do aludido dispositivo legal:

Em caso algum a proteção por Copyright de um trabalho autoral original se estende a qualquer ideia, procedimento, processo, sistema, método de operação, conceito, princípio ou descoberta, não importando a forma em que é descrito, explicado, ilustrado ou incorporado em tal trabalho.[6]

O tribunal destacou, contudo, que o Copyright Act concede proteção legal a “trabalhos autorais originais fixados em qualquer meio de expressão tangível”, incluindo “trabalhos literários” (17 U.S.C. § 102a). Não se contestou que programas de computador – definidos no Copyright Act como “um grupo de declarações ou instruções para serem utilizadas direta ou indiretamente em um computador com o objetivo de trazer certo resultado” (17 U.S.C. § 101) – podem ser sujeitos a proteção por Copyright como trabalhos literários[7]. Frisou-se que tal programa deve ser expresso em um meio tangível e que ele deve ser original.

Insistindo em sua argumentação, a Google fez uso da Merger Doctrine. De acordo com essa teoria, a Corte não deveria defender um trabalho protegido por Copyright de infrações se a ideia contida nele só puder ser expressa de uma maneira. Para programas de computador isso significa que quando específicas partes do código, mesmo protegido, são a única e essencial maneira de cumprir determinada tarefa, seu uso por terceiros não será considerado como infração[8]. Essa teria sido a principal argumentação utilizada pela corte distrital da Califórnia para determinar que os 37 pacotes de API não poderiam ser protegidos por Copyright.

Em sua apelação, a Oracle admitiu não poder exigir proteção por Copyright sobre a ideia de organizar funções de um programa ou na estrutura organizacional “método-pacote-classe” enquanto entidade abstrata. Ao invés disso, a Oracle arguiu pela proteção por Copyright somente em sua maneira particular de nomear e organizar cada um dos 37 pacotes de API de Java. A Oracle reconheceu, por exemplo, que ela não pode proteger a ideia de programas que abram uma conexão à internet, mas ela poderia proteger as específicas linhas de códigos utilizadas para realizar essa operação, pelo menos enquanto existirem outras linguagens disponíveis para exercer a mesma função. [9]

Assim, a Oracle reconheceu que a Google e outras empresas poderiam se utilizar da linguagem Java – assim como qualquer um poderia aplicar a língua inglesa para escrever um parágrafo sem violar o Copyright de outros escritores da mesma língua. Na mesma linha, a Google poderia fazer uso da estrutura “método-pacote-classe”, assim como escritores podem se utilizar das mesmas regras gramaticais escolhidas por outros autores, sem medo de cometer uma infração. O que a Oracle contestou é que, além desse ponto, a Google, como qualquer outro autor, não está autorizada a empregar a precisa formulação ou estrutura escolhidas pela Oracle para implementar a substância dos seus pacotes – os detalhes e o arranjo da prosa – pelo fato de querer garantir a compatibilidade de seus programas com o sistema Java desenvolvido pela Sun[10].

DECISÃO DA CORTE

Em sua decisão, a Corte comentou que, dado o fato de a capacidade de proteção por Copyright estar focada nas escolhas disponíveis ao requerente no período de criação do programa de computador, a questão da compatibilidade se centra em uma pergunta: se as escolhas do requerente seriam ditadas por uma necessidade de assegurar que o programa funcionaria com programas de terceiros à época. Se o réu, posteriormente à criação do programa pelo requerente, buscou fazer seu programa interoperável com o programa desse não tem relação com a potencial limitação de design que o programa do requerente teria em decorrência de fatores externos[11].

Dito de outra maneira: o foco estaria na necessidade de compatibilidade e escolhas de programação da parte que requer proteção por Copyright, e não nas escolhas feitas pelo réu para alcançar a compatibilidade com o programa do requerente. Consistente com essa argumentação, a corte reconheceu que uma vez que o requerente desenvolveu um trabalho passível de proteção (sua própria maneira de escrever os APIs) o desejo do réu de ‘atingir a compatibilidade total’ é um desejo competitivo e comercial, o qual não entra na questão de determinadas ideias e expressões terem se fundido, excluindo a aplicação da Merger Doctrine[12].

A Google poderia ter estruturado o Android de maneira diferente, tendo a opção de escolher diferentes caminhos de expressar e implementar a funcionalidade que ela copiou. Especificamente, a corte chegou à conclusão de que a mesma funcionalidade poderia ter sido oferecida no Android sem duplicar o exato mesmo comando utilizado no Java. As provas mostraram, inclusive, que a Google desenvolveu vários dos seus próprios pacotes API do zero e, assim, seria plausível que ela desenvolvesse os 37 pacotes API copiados da Oracle, caso ela quisesse fazê-lo[13].

A Google estava livre para desenvolver seus próprios pacotes API e a fazer um “lobby” para convencer programadores a os adotarem. Ao invés disso, ela escolheu copiar a estrutura, sequência e organização do código da Oracle para capitalizar na comunidade já existente de programadores que estavam acostumados a utilizar os pacotes API Java. Esse desejo não tinha qualquer relação com a possibilidade de proteção desses pacotes Java por Copyright ou não[14].

CONCLUSÃO

A corte descobriu que para o código Java funcionar com autômatos que utilizassem Android, a Google precisaria fornecer o mesmo sistema de comando pacote-classe-método-Java utilizando os mesmos nomes com a mesma taxonomia e especificações técnicas similares. Ademais, a corte concluiu que a Google replicou o que era necessário para atingir um grau aceitável de interoperabilidade, mas nada mais, deixando de fornecer seu próprio código[15].

Por essas razões, a corte federal do nono circuito, em 09 de maio de 2014, chegou à conclusão de que os 37 pacotes API Java seriam passíveis sim de proteção por Copyright. Do mesmo modo, ela concluiu que o argumento da Google de que esses pacotes seriam “padrões da indústria” necessários para a “conversa” entre diferentes sistemas não seria válido e que haveria diferentes maneiras de a Google implementar as mesmas soluções que ela copiara da Oracle.

 


[1] Trabalho final da disciplina de Teoria Geral de Direito ministrada pela Professora Doutora Katya Kozicki, do Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR, para cumprir o critério avaliativo de sua disciplina, referente ao  nprimeiro semestre de 2017.

[2] Mestrando em Direito pela UFPR. Pesquisador junto ao Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial, cadastrado no CNPq. E-mail: [email protected], telefone (48) 99662-1663, Lattes: http://lattes.cnpq.br/2449332106724610.

[3] Íntegra do acórdão em análise disponível em: https://cyber.harvard.edu/people/tfisher/cx/2014_Oracle.pdf

[4] Copyright seria a versão americana do Direito Autoral. Porém, ater-se-á a nomenclatura em inglês quando se referir a ele por conta de diferenças fundamentais entre o direito autoral brasileiro e o americano, especialmente no que se refere aos direitos morais do autor sobre a obra, ausentes no sistema americano. O objetivo é evitar a confusão entre os dois sistemas.

[5] Tradução livre do parágrafo 50 do Acórdão da Corte Federal do nono circuito no Caso Oracle vs. Google.

[6] Do original em inglês: In no case does copyright protection for an original work of authorship extend to any idea, procedure, process, system, method of operation, concept, principle, or discovery, regardless of the form in which it is described, explained, illustrated, or embodied in such work.

[7] Tradução livre do parágrafo 55 do Acórdão da Corte Federal do nono circuito no Caso Oracle vs. Google.

[8] Tradução livre do parágrafo 83 do Acórdão da Corte Federal do nono circuito no Caso Oracle vs. Google.

[9] Tradução livre do parágrafo 114 do Acórdão da Corte Federal do nono circuito no Caso Oracle vs. Google.

[10] Tradução livre do parágrafo 114 do Acórdão da Corte Federal do nono circuito no Caso Oracle vs. Google.

[11] Tradução livre do parágrafo 127 do Acórdão da Corte Federal do nono circuito no Caso Oracle vs. Google.

[12] Tradução livre do parágrafo 127 do Acórdão da Corte Federal do nono circuito no Caso Oracle vs. Google.

[13] Tradução livre do parágrafo 115 do Acórdão da Corte Federal do nono circuito no Caso Oracle vs. Google.

[14] Tradução livre do parágrafo 131 do Acórdão da Corte Federal do nono circuito no Caso Oracle vs. Google.

[15] Tradução livre do parágrafo 119 do Acórdão da Corte Federal do nono circuito no Caso Oracle vs. Google.