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Economia criativa: como (re)pensar a economia baseada em novas formas produtivas

Heloísa Gomes Medeiros

Marcos Wachowicz

 

Definitivamente há uma revolução em curso, e sabemos que é impossível prever o futuro e dizer de forma absoluta o caminho a seguir. No entanto, é possível e necessário pensar alguns princípios ou pelo menos criar discussões sobre a forma tradicional de conceber a economia que se desenvolve. É inimaginável produzir e circular bens baseados em conhecimento da mesma forma em que é realizada a produção de commodities.

Diversas teorias surgem na tentativa de explicar esta nova realidade. Neste artigo, nós trazemos três teorias que acreditamos que combinam bem a necessidade de (re)pensar a sociedade baseada no conhecimento, especialmente em termos que envolvem o seu modo de desenvolvimento, modo de produção e economia.

 

SOCIEDADE INFORMACIONAL

A primeira teoria diz respeito ao modo de desenvolvimento desta sociedade. Relaciona-se com as teorias sobre o período pós-industrial nas versões da sociedade informacional, com destaque para os autores Daniel Bell e Manuel Castells.

Os principais pontos que são destacados por estes autores, além do papel primordial da informação, são:

– a economia de serviço, substituindo a mera produção de bens, e
– o trabalho técnico, de ordem técnica mais avançada do que a apresentada pela sociedade industrial.

Posteriormente, Manuel Castells adiciona ao debate as seguintes características para um novo paradigma informacional:

1 – a informação é a matéria prima fundamental;
2 – a penetrabilidade dos efeitos das novas tecnologias em todos os campos da atividade humana;
3 – a lógica de redes que se torna possível graças as novas tecnologias de informação e comunicação;
4 – baseada em flexibilidade, uma sociedade marcada por mudanças e fluidez organizacional;
5 – aumento da convergência de tecnologias específicas num sistema altamente integrado.

Castells analisa também quão global e em rede é a sociedade informacional. As verdadeiras unidades de comércio não são mais apenas os países; hoje fazem parte deste cenário empresas e redes de empresas. Além disso, a nova forma de produção e comercialização tem sido caracterizado por grandes produções em volume, flexibilidade e personalização.

A nova empresa global conecta-se com o mundo por meio de redes. Na verdade, as conexões de rede são um dos aspectos mais importantes do trabalho de Castells, que as considerada a unidade básica de organização econômica.

As redes de empresa transformaram radicalmente a paisagem da produção em relação à sociedade industrial. A empresa de pequeno e médio porte ganha destaque e deve ser organizada em um sistema de produção flexível, ao contrário da rígida estrutura de grandes empresas, que ainda permanecem no centro da estrutura de poder, mas não são mais autônomas e autossuficientes, o que os obriga a pensar em novas formas de gestão.

Falando desta forma pareceque a sociedade da informação é a salvação para todos os males da humanidade.

No entanto, não devemos esquecer que, mesmo neste contexto, se trata de uma economia capitalista, que objetivao lucro, e este aspectotambém sofre transformações com o informacionalismos, com a emergência de novas demandas e o aprofundamento de diferenças sociais e econômicas.

Assim, novos paradoxos surgem, especialmente em relação ao acesso à informação e à liberdade de informação. Permanece na sociedade da informação a dicotomia entre produtores e receptores de conhecimento, situação marcada por aqueles que detêm esse conhecimento através da proteção da propriedade intelectual.

A sociedade da informação é, nada mais, que expressão do capitalismo, o que importa é acumulação de capital. Na verdade, aqui entra em um novo capítulo do capitalismo.

O capitalismo está em movimento; há uma alteração na sua configuração, uma revolução do paradigma do processo produtivo. O valor de acumulação de capital se tornou o conhecimento. Do surgimento de novas formas produtivas, oferecidas pelas novas tecnologias de informação e comunicação, a economia também alcançou uma dimensão cognitiva.

 

CAPITALISMO COGNITIVO

Por esta razão, nós trazemos a segunda teoria relacionada com o modo capitalista de produção: o capitalismo cognitivo.Esta teoria surge pelas mesmas razões que as teorias da sociedade da informação:

– tentativas de explicar a crise do fordismo que marcam as décadas 1970-1990;
– a reestruturação da produção e do surgimento de novas formas de trabalho.

De tal modo que entre estas teorias há vários elementos semelhantes e outros complementares.

Podemos dizer que o informacionalismo é o modo de desenvolvimento do modo de produção capitalista. Informacionalismo está ligado à expansão e rejuvenescimento do capitalismo, assim, o modo de desenvolvimento informacionalista não substitui o modo de produção capitalista, mas sim o remodela.

O capitalismo cognitivo emerge na década de 1990 e encontra em Michael Hardt e Antonio Negri suporte para alguns de seus conceitos-chave, tais como: trabalho imaterial,trabalho abstrato, trabalho afetivo,e cooperação abstrata. Estes autores também reforçam outras ideias que já apareciam em estudos anteriores sobre a nova economia, tais como: economia de serviços, informatização,economia da informação,rede de empresas, descentralização da produção erede de empresas horizontais.

Tais elementos são importantes para pensar a produção de conhecimento de forma diferente do que a produção de bens.

Isso não significa que estamos enfrentando o fim da produção industrial, não significa que esta será descartada, ou que não terá mais um papel importante mesmo em regiões dominantes. Mas podemos dizer que a revolução da informação irá transformar a indústria através da redefinição e rejuvenescimentodos processos de fabricação.

Toda a cadeia de produção mudou desde a matéria-prima, que é baseada no software, até as relações de trabalho que fogem da estratégia da empresa. A propriedade privada dos bens imateriais agora é repensada em movimentos como software livre, creative commons, copyleft e open source.

Agora damos um outro valor para a imitação, compartilhamento e colaboração, o oposto da exclusividade da propriedade intelectual que caracteriza o período industrial. Isto por causa da necessidade de uma nova economia baseada no conhecimento, que éinterdependente e disposta em redes.

Como podemos ver, devido a todas as mudanças experimentadas nas últimas décadas de capitalismo cognitivo, há uma enorme transformação em relação a propriedade, tanto material quanto imaterial. Estamos diante de uma economia muito mais orientada para o serviço do que proprietária. Ou talvez, como Jeremy Rifkin advogada, estamos diante de uma nova sociedade baseada em acesso, a Era do Acesso.

 

ECONOMIA CRIATIVA

Pensando numa economia baseada nestas novas formas de produção e desenvolvimento analisamos a terceira e última teoria deste artigo: a economia criativa.

A Economia Criativa é um conceito novo e em evolução implicando na mudança das estratégias de desenvolvimento convencionais segmentadas e reducionistas focadas nos bens intelectuais como commodities primárias e na fabricação industrial. É a economia atual, cujo elemento criativo está no centro do conceito, e conhecimento e informação são apresentados como suas ferramentas e materiais.

Economia criativa não é um conceito simples de ser medido; ainda está em formação e evolução.

A UNCTAD fornece a seguinte definição da economia criativa:

A “economia criativa” é um conceito em evolução com base em ativos criativos potencialmente geradores de crescimento e desenvolvimento econômico.Ele pode promover geração de renda, criação de emprego e de exportação enquanto promove a inclusão social, a diversidade cultural e desenvolvimento humano.Ela abrange aspectos econômicos, culturais e sociais que interagem com a tecnologia, propriedade intelectual e os objetivos do turismo.É um conjunto de atividades econômicas baseadas no conhecimento, com uma dimensão de desenvolvimento e as ligações transversais em níveis macro e micro para a economia global.É opção viável para respostas políticas inovadores e multi-disciplinares e ações interministeriais. No coração da economia criativa estão as indústrias criativas.

A Economia criativa é sistêmica, lida com as interfaces entre a economia, a cultura e a tecnologia com vistas a um desenvolvimento sustentável num movimento includente de compartilhamento, centrado no uso e acesso aos produtos criativos por meio das Tecnologias da Informação e Comunicação. Nesta medida é que a Economia Criativa alcança as TICs, a educação, a arquitetura, o design, a formação de agentes criativos, os Arranjos Produtivos Locais (APL) e os Setores Criativos (SCs).

A análise dos reflexos econômicos imediatos relacionados ao florescimento de uma rica Economia Criativa no Brasil, ganha maior importância se observar como os setores criativos dinâmicos poderão ser incentivados por meio de políticas públicas que fomentem a atividade artística e fortaleçam a diversidade cultural do país. É preciso ter-se claro que na Economia Criativa somente se torna viável num contexto de desenvolvimento sustentável com liberdade e abundância, diferente da Economia Industrial que se funda no modelo econômico Taylorista da escassez e da restrição como lógica de valor da Sociedade Industrial.

Com efeito, a Economia Criativa vem trazer uma visão mais atualizada e compatível com a Revolução da Tecnologia da Informação inerente a Sociedade Informacional, vale dizer: Se a lógica da escassez da Sociedade Industrial era a de que os produtos não circulassem amplamente para agregar valor; a lógica da abundância da Economia Criativa é a de que a criatividade, insumos dos setores criativos é abundante, e que, o valor atribuído ao bem (produto criativo) será maior quanto mais eles circule gerando novas dinâmicas, reinventando esses bens e serviços dessa economia através das indústrias criativas.

A economia criativa, devido à sua magnitude, é apresentada como uma forma de como os países podem pensar em políticas públicas em consonância com os conceitos de sociedade informacional e de capitalismo cognitivo. A economia criativa estabelece um terceiro elemento garantindo que a ideia de uma sociedade baseada no conhecimento pode ser implementada e sustentada.

Um marco regulatório para esta nova sociedade, na qual a Economia Criativa é central, deve ao perceber o contexto econômico subjacente dos setores criativos nacionais, de seus fatores de produção/criação/comercialização que criam vantagens para todos os partícipes, e assim, instrumentalizar por meio de leis as Políticas Públicas voltadas ao fomento das externalidades positivas inerentes a estes setores criativos, a saber:

1-     maior oferta e concentração de mão de obra qualificada com geração e difusão de conhecimentos tácitos,
2 –    maior fluxo de consumidores e consolidação de mercados,
3 –    fortalecimento da economia local no setor de serviços,
4 –     maior ganho de infraestrutura e interesse do Poder Público em proporcionar melhor infraestrutura e segurança,
5 –    maior produção e difusão de informações, de conhecimento e de bens intelectuais; e,
6 –    endogeinização de habilidades com utilização plena da capacidade produtiva para suprir demandas minimizando a necessidade de agentes externos.

Aqui reside a importância da construção de um marco regulatório adequado para a Economia Criativa viabilizando o florescimento e o fomento dos setores criativos como um agente de inovação capaz de criar e agregar valor a bens e produtos propiciando um desenvolvimento sustentável para o país, com a redução das desigualdades regionais e redução da pobreza dentro da lógica estrutural da Econômica Criativa.

Sem dúvida os países com um marco regulatório adequado, com o equilíbrio os interesses públicos e privados presentes na Economia Criativa, terá condições de buscar novas formas de enfrentar os desafios competitivos da mundialização dos mercados e da concorrência entre bens e serviços criativos. Agora não mais baseada na lógica da velha concorrência em cujo foco unicamente repousava na questão do preço, na busca incansável de mão de obra barata, na substituição linear de mão de obra por tecnológica, mas uma nova lógica concorrencial, na qual que o foco está na inovação, na solução criativa e no caráter simbólico e intangível dos bens e produtos criativos com base de desenvolvimento sustentável.