A PROPRIEDADE INTELECTUAL ABERTA COMO INSTRUMENTO DE COMBATE À COVID-19: As estratégias globais da OMS para ampliar o acesso e as ações adotadas no Brasil, em especial sobre as licenças compulsórias

Marcos Wachowicz – Professor de Direito no Curso de Graduação da Universidade Federal do Paraná – UFPR e docente no Programa de Pós-Graduação-PPGD da Universidade Federal do Paraná – UFPR. Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná-UFPR. Mestre em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa – Portugal. Professor da Cátedra de Propriedade Intelectual no Institute for Information, Telecommunication and Media Law – ITM da Universidade de Münster – ALEMANHA (2018). Coordenador-lider do Grupo de Estudos em Direito Autoral e Industrial – GEDAI / UFPR vinculado ao CNPq.  Email [email protected]

Revisão: Francisco Viegas Neves da Silva e Pedro de Perdigão Lana

AS ESTRATÉGIAS GLOBAIS DA OMS PARA AMPLIAR O ACESSO A MEDICAMENTOS

A Organização Mundial de Saúde – OMS protagonizou nos dias 18 e 19 de maio de 2020 amplo debate durante a realização da 73ª Assembleia Mundial da Saúde, que reuniu 194 Estados-membros, pela primeira vez num ambiente completamente virtual, culminando por aprovar por unanimidade uma resolução de apoio à possibilidade de amplo acesso e licenciamento aberto de patentes de futuras vacinas ou tratamentos para o combate a pandemia da COVID-19.

A Resolução da OMS tem a função de fazer recomendações de políticas baseadas em uma avaliação das estratégias até agora desenvolvidas no combate ao coronavírus e de apontar políticas futuras e acesso aberto a inovação científica a serem adotadas pelos países.

No discurso de abertura, Tedros Adhanom Ghebreyesus, Diretor-Geral da OMS, já informava sobre a velocidade vertiginosa das pesquisas científicas para o enfrentamento da crise sanitária debelada pelo novo vírus, tanto para entender sua estrutura molecular, como também para desenvolver possíveis vacinas, medicamentos e outras tecnologias.[i]

Destacou Ghebreyesus que a obtenção das informações científicas pelos pesquisadores de diversas nacionalidades é o que está garantindo que possamos desenvolver vacinas e terapias seguras, eficazes e acessíveis no menor tempo possível. Sem dúvida alguma o acesso é fundamental para superar o COVID-19, mas também foi salientada a necessidade de garantir uma permissão equitativa para toda a população mundial.  Neste sentido, afirmou que “precisamos liberar todo o poder da ciência, oferecer inovações escaláveis, utilizáveis ​​e que beneficiem a todos, em qualquer lugar, ao mesmo tempo”.

A preocupação em ampliar esforços e iniciativas para acelerar e incentivar a inovação pela OMS se justifica se considerarmos os modelos tradicionais de mercado na produção e comercialização de medicamentos, como também pelas regras estabelecidas pelo sistema internacional de proteção da propriedade intelectual, no que tange ao acesso a informações científicas pelos pesquisadores.

Nesse sentido, propugnou por uma nova política de alcance global que priorize o licenciamento e suportes abertos, a transferência de tecnologia, novas parcerias de acesso técnico, bem como, no tocante ao mercado, um compromisso de não aumentar preços de medicamentos durante a pandemia.

A pandemia demonstrou, segundo entendimento da OMS, que investir em saúde é a coisa mais inteligente a fazer, tratando-se de um investimento no futuro coletivo. Ele não apenas salva vidas, mas “significa que as crianças saudáveis podem ir à escola; as pessoas podem trabalhar para ganhar a vida e as sociedades e as economias são mais fortes e sustentáveis”.

 

A QUESTÃO DA PATENTE E DISTRIBUIÇÃO DA VACINA

A busca pela vacina do COVID-19 segue acelerada em laboratórios das indústrias farmacêuticas na Europa, Ásia e Américas. A preocupação da OMS apontada durante a 73ª Assembleia teve como tema o sistema internacional de patentes, mais especificamente sobre a patente e distribuição de eventual vacina, no sentido de evitar que países ricos monopolizem vacinas e os tratamentos.

Na 73ª Assembleia da OMS se destacou a moção proposta pela União Europeia (UE) no sentido de criar um pool de patentes voluntárias para vacinas, por meio do qual as empresas farmacêuticas e os produtores deixariam o monopólio de uso exclusivo de suas patentes, para que outros países com menos recursos possam adquirir conhecimentos relevantes ou produzir localmente, tudo com a finalidade de debelar a pandemia.

A posição da OMS está clara, no sentido de implementar uma estratégia global que assegure uma distribuição equilibrada e garantindo equidade no acesso aos recursos a todos, independentemente da capacidade econômica de cada país.

A discussão central é o acesso democrático aos medicamentos de combate ao COVID-19, vale dizer: (i) acesso com igualdade sem qualquer tipo de discriminação; (ii) acesso com equidade diante da necessidade de cada ser humano sem distinção; e (iii) acesso independentemente de seu país ou região, por se tratar de uma pandemia global.

 

A DECLARAÇÃO DE DOHA e a EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NO COMBATE A AIDS

Assim, os limites impostos pelo sistema mundial de patentes precisam ser enfrentados. Constata-se no passado alguns importantes avanços, como no combate à AIDS, quanto na Declaração de Doha de 2001 sobre o TRIPS e Saúde Pública da Organização Mundial do Comércio (OMC), endossando que “o Acordo TRIPS não deve impedir que os Membros adotem medidas de proteção à saúde pública” visto que “o Acordo pode e deve ser interpretado e implementado de modo a implicar apoio ao direito dos Membros da OMC de proteger a saúde pública e,  em particular, de promover o acesso de todos aos medicamentos”.[ii]

Na década de 1990, o mundo era assolado pelo vírus da AIDS, o Brasil buscava o licenciamento compulsório de medicamentos de combate, nesse sentido a Declaração de DOHA de 2001, estabeleceu que “cada Membro tem o direito de conceder licenças compulsórias, bem como liberdade para determinar as bases em que tais licenças são concedidas”, desta maneira “cada Membro tem o direito de determinar o que constitui emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema urgência”, subentendendo-se que crises de saúde pública, inclusive as relacionadas com HIV/AIDS, tuberculose, malária e outras epidemias, são passíveis de constituir emergência nacional ou circunstâncias de extrema urgência.

Assim, se estabeleceram as exceções ao direito de propriedade intelectual com base na experiência da década de 90 no combate ao HIV, utilizando o instrumento legal da licença compulsória, o Brasil neste esforço de enfrentamento ocorrido no país, teve dois momentos distintos, em 2001 e 2007.

O Brasil em 2001 apresentou na Organização Mundial do Comércio (OMC), com o apoio de 48 países, pedido de licenciamento compulsório para determinados medicamentos novos que estavam sendo utilizados no tratamento da AIDS. Eles estariam caracterizados em caso de abuso econômico por parte da indústria farmacêutica diante do elevado preço dos remédios nos países em desenvolvimento. O licenciamento compulsório possibilitaria a redução do custo para os pacientes que necessitavam urgentemente dos medicamentos. As negociações entre as partes se arrastaram por quase um ano, até que a indústria aceitasse a redução dos valores praticados no mercado nacional, isto sem que fosse efetivamente utilizado o instrumento legal do licenciamento compulsório, a indústria farmacêutica cedeu para tornar acessível o medicamento (ainda protegido por patente) para os pacientes dos países pobres.[iii]

Em 2007, pela primeira vez,  somente após mais 6 (seis) meses de discussões e entraves jurídicos, o Governo brasileiro conseguiu implementar o instrumento legal do licenciamento compulsório previsto em na Lei nº 9.929, de maio de 1996[iv], que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Esse instrumento está previsto no artigo 71 da lei, firmando que nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida de ofício licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular. O ato de concessão da licença estabelecerá seu prazo de vigência e a possibilidade de prorrogação.[v]

Assim ocorreu, por meio do instrumento legal, o licenciamento compulsório no território brasileiro do medicamento Efavirenz, protegido pela patente de titularidade do laboratório Merck Sharp & Dohme, que se constituía no medicamento importado em associação com outros medicamentos antiretrovirais, mais eficaz a época para o tratamento das pessoas vivendo com HIV/AIDS.[vi] Importante recordar que esse licenciamento além de viabilizar maior acesso ao medicamento em questão, proporcionou economia orçamentária estimada em mais de USD 103 milhões no período de 2007-2011 (incluindo pagamento de royalties), por meio da importação de versões genéricos do Efavirenz e posterior produção pública por Farmanguinhos/FIOCRUZ. [vii]

Saliente-se característica da licença compulsória ser sempre por tempo limitado e restrita aos limites territoriais de determinado país. Mas agora, diante da pandemia global do COVID-19, é preciso estabelecer uma estratégia e uma política global além das fronteiras.

Nesse sentido a OMS realizou a sua 73ª Assembleia nos dias 18 e 19 de maio de 2020, em Genebra, que contou com a participação do Estado brasileiro[viii] e co-patrocínio do País à Resolução da OMS sobre COVID-19, tendo o Ministro da Saúde Eduardo Pazuello declarado “a disposição do Brasil em apoiar e participar das iniciativas e cooperações internacionais para diagnóstico, medicamentos, vacina e tratamento da pandemia[ix] .

 

A POLARIZAÇÃO QUANTO A RESOLUÇÃO DA OMS PARA O COMBATE A COVID-19

A comunidade internacional, reconhecendo o papel chave de liderança da OMS para coordenar a resposta global abrangente no combate a COVID-19 e os esforços centrais dos Estados Membros, participou da 73ª Assembleia da OMS. Apontou-se que uma resposta mundial à pandemia passa pelo acesso universal, oportuno e equitativo de todas as tecnologias e produtos essenciais de saúde eficazes ao enfrentamento à pandemia, como uma prioridade global e a urgência de remoção de obstáculos injustificados, consistente com as disposições dos tratados internacionais relevantes de Propriedade Intelectual, incluindo o disposto no Acordo TRIPS de 1996 e as flexibilidades confirmadas pelo Acordo de DOHA de 2001 e a saúde Pública[x].

A OMS reiterou na sua resolução a importância de atender urgentemente às necessidades de países de baixa e média renda para superar a pandemia através de desenvolvimento oportuno, em nível adequado de assistência humanitária.

As resoluções da OMS expressam um compromisso entre os Estados-Membros a adotarem as políticas recomendadas, sem caráter vinculante. Tiveram, porém, repercussões imediatas e polarizadas.

A posição dos EUA seguiu em caminho oposto ao da OMS. O governo Donald Trump manifestou, já no mês anterior a realização da 73ª Assembleia, a suspensão temporária dos aportes anuais de 400 milhões de dólares para OMS (que eram a maior contribuição nacional para a entidade), em razão do que considera uma dependência do organismo em relação à China.[xi] Após a publicação das resoluções, ameaçaram a sua retirada da OMS, bem como rejeitam os termos da resolução no tocante à menção de direitos sexuais e reprodutivos e ao uso de saúde pública da propriedade intelectual voltado para os países sem recursos econômicos, argumentando o desrespeito dos direitos de exploração exclusiva de patentes para obterem acesso direto ou tratamento para a COVID-19.[xii]

A posição das nações com fortes setores de indústrias farmacêuticas, como Japão e  Suíça, também defendem que a Resolução deveria fortalecer a propriedade intelectual por meio de patentes, e que o acesso à vacina ou aos medicamentos, dar-se-ia por licenciamento voluntário já previsto pelo sistema de patentes.

Por outro lado, a China, na participação de seu Presidente Xi Jinping, afirmou que oferecerá uma assistência de 2 bilhões de dólares nos próximos anos para o desenvolvimento de tratamentos de combate à COVID-19 e uma eventual vacina seria acessível a todos, como um bem público global.[xiii]

A União Europeia, na figura de seu porta-voz Virginie Battu-Heriksson, declarou na Assembleia o seu apoio à OMS entendendo que a cooperação internacional e soluções multilaterais são o caminho para o enfrentamento desta crise pandêmica,  sendo este um momento da solidariedade.[xiv]

O amplo acesso, o uso das flexibilidades de propriedade intelectual do Acordo TRIPS e licenciamento aberto de patentes de futuras vacinas ou tratamentos para o combate a pandemia da COVID-19 é a orientação dada pela Resolução da OMS, para ser adotada por países, centros de pesquisa, universidades e pela comunidade científica internacional.

Alguns países como Alemanha[xv], Canada[xvi], Israel[xvii], já modificaram recentemente as suas legislações nacionais permitindo o livre uso pelo Estado, mediante o pagamento de indenização, da propriedade intelectual para as tecnologias e inovações para o combate da COVID-19. Ressaltando que o Estado de Israel foi o primeiro a emitir uma licença compulsória para permitir o acesso à medicamentos testados para o combate a pandemia. Um Decreto presidencial da Colômbia declarou de interesse público as tecnologias para o enfrentamento da COVID-19 (ato preparatório a um licenciamento compulsório) e o Congresso do Equador, Peru e Chile fizerem requisições que o Ministério de Saúde, dos respectivos países, emitam licenças compulsórias de forma semelhante à Israel. Importante mencionar que tal uso é mediante o pagamento de royalties para o titular da propriedade intelectual referente à esse uso pelo Estado das tecnologias e inovações para o combate da COVID-19.[xviii]

No Brasil existe um Projeto de Lei 1462/20[xix], que altera o art. 71 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, para tratar de licença compulsória nos casos de emergência nacional decorrentes de declaração de emergência de saúde pública de importância nacional ou de importância internacional[xx].

 

O ENFRENTAMENTO DA COVID-19 NO BRASIL E O LICENCIAMENTO COMPÚLSÓRIO

A gravidade do COVID-19 foi sinalizada pela OMS no mês de janeiro de 2020, declarando a doença como uma emergência de saúde pública internacional, colocando-a no seu mais alto nível de alerta quando no dia 11 de março de 2020 a COVID-19 foi caracterizada como pandemia[xxi]

No Brasil a declaração da OMS foi internalizada no dia 30 de janeiro pelo Decreto nº  10.212/2020[xxii]. Logo em seguida foi editada a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, dispondo sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do COVID-19. O Ministério da Saúde diante do agravamento do quadro de crise sanitária nacional decretou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) por meio da Portaria nº188 de fevereiro de 2020[xxiii], em conformidade com o Decreto nº  7.616/2011[xxiv]. Com o avanço da pandemia em território brasileiro o Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº  454 de 20 de março de 2020[xxv], declarou:

  • haver transmissão comunitária em todo o território nacional;
  • a necessidade de envidar todos os esforços em reduzir a transmissibilidade com o a adoção o isolamento social,
  • o isolamento de pessoas portadoras do vírus mesmo que estejam assintomáticos pelo período de até 14 (quatorze) dias, e;
  • a necessidade de organizar o manejo dos casos leves e graves nas redes de saúde de emergência e hospitalar.

 

Com o aprofundamento da crise sanitária decorrente do COVID-19 foi promulgado o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020[xxvi].

O enfrentamento da pandemia é agravado pela inexistência de uma medicação e tratamento específico, razão pela qual novas técnicas e métodos de combate estão sendo testados em todos os países.

O surgimento de remédios, terapias ou vacinas que vierem a ser patenteados terão que efetivamente ser industrializados, produzidos, distribuídos, disponibilizados e acessíveis a população mundial, em tempo recorde, para conter o avanço da pandemia.

O licenciamento compulsório se apresenta como um dos instrumentos jurídicos existentes no sistema internacional de propriedade intelectual, que devem ser aperfeiçoados, para poder ser mais eficaz no combate a pandemia do coronavírus.

O licenciamento compulsório é um instrumento legal que permite que determinado produto ou processo venha a ser explorado, mesmo estando protegido por um direito de exploração exclusiva de patente de um titular e sem autorização deste, pelo Estado ou por outras empresas de modo a equilibrar o interesse público e o direito de propriedade[xxvii].

A Constituição Federal do Brasil de 1988 abre essa possiblidade em seu artigo 5º, XXIX, na exata medida que condiciona a concessão de privilégio temporário aos intentos industriais ao interesse social.

A Constituição de 1988 em seu artigo 6º é clara ao elencar a saúde como direito social, devendo o Estado brasileiro por meio de políticas públicas, garantir a todos os cidadãos acesso universal e igualitário às ações e serviços para redução do risco de doenças, proteção e recuperação (art. 196 da CF.).

A garantia da saúde de uma população é um dever do Estado, no qual o Brasil também está vinculado a nível internacional, por meio do disposto no artigo 25, da Declaração Universal dos Direitos Humanos[xxviii], no artigo 12 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais[xxix], e no artigo 10 do Protocolo de São Salvador[xxx].

Neste contexto, foi apresentado o Projeto de Lei nº 1.462 em 02 de abril de 2020, de autoria dos parlamentares Alexandre Padilha, Alexandre Serfiotis, Carmem Zanotto, Zacharias Calil, Luiz Antonio Junior,  Soraya Manato, Hiran Gonçalves,  Jandira Feghali, Jorge Solla, Mariana Carvalho e Pedro Westphalen, partindo da severidade do quadro apresentado pela pandemia do COVID-19, para alterar a legislação por meio do acréscimo do §2º ao art. 71, da Lei nº 9.279/1996, com os seguinte texto:

  • 2º- A declaração de emergência de saúde pública de importância internacional pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ou a declaração de emergência de saúde pública de importância nacional pelas autoridades nacionais competentes enseja automaticamente a concessão da licença compulsória por emergência nacional de todos os pedidos de patente ou patentes vigentes referentes a tecnologias utilizadas para o enfrentamento à respectiva emergência de saúde, tais como vacinas, medicamentos, diagnósticos, reagentes, dispositivos médicos, equipamentos de proteção individual, suprimentos e quaisquer outras tecnologias utilizadas para atender às necessidades de saúde relacionadas à emergência.

Inciso I – A concessão da licença compulsória na forma do parágrafo 2° passa a viger a partir da respectiva declaração de emergência de saúde pública internacional ou nacional independentemente da constatação de que o titular da patente ou do pedido de patente, diretamente ou por intermédio de licenciado, não atende às necessidades decorrentes da situação de emergência.

Inciso II – Cabe ao INPI, publicar a relação de patentes e pedidos de patente e, de ofício ou a requerimento de qualquer interessado, anotar a concessão da licença compulsória no respectivo processo administrativo referente a cada patente ou pedido de patente na medida em que forem identificados como suscetíveis de uso relacionado à emergência de saúde.

Inciso III – No caso da licença compulsória concedida na forma do parágrafo 2°, se aplicam as seguintes condições:

  1. A licença terá validade durante todo o período em que perdurar a situação de emergência de saúde pública.
  2. A remuneração do titular da patente é fixada em 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) sobre preço de venda ao Poder Público, a ser pago pelo fornecedor do produto produzido sob licença. No caso de pedido de patente, a remuneração só será devida a partir da data de concessão da patente, caso a patente seja concedida.
  3. O titular das patentes ou pedido de patentes licenciadas está obrigado a disponibilizar ao Poder Público todas as informações necessárias e suficientes à efetiva reprodução dos objetos protegidos, devendo o respectivo Poder Público assegurar a proteção cabível dessas informações contra a concorrência desleal e práticas comerciais desonestas. No caso de descumprimento pelo titular aplica-se o disposto no art. 24 e no Título I, Capítulo VI, desta lei.

O PL 1.462/20 é específico para casos de declaração de emergência de saúde pública de importância internacional designados pela OMS, o que é o caso da pandemia de COVID-19, ou de declaração de emergência de saúde pública de importância nacional declarados pelas autoridades nacionais competentes. Poder-se-á assim facilitar o acesso da população brasileira às tecnologias de saúde necessárias para o enfrentamento do estado de crise sanitária.

Assim, durante o Estado de Emergência em Saúde de que trata a Lei nº 13.979/20, existirá, se aprovado o PL 1.462/20, mais segurança jurídica para a concessão de licença compulsória, temporária e não exclusiva, enquanto perdurar a emergência nacional de saúde pública em virtude da pandemia de COVID-19. Fica então autorizada a exploração de patentes e pedidos de patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular de tecnologias úteis para a vigilância, prevenção, detecção, diagnóstico e tratamento de pessoas infectadas com o vírus SARS-CoV-2, em especial: vacinas; medicamentos e correlatos; exames diagnósticos complementares e kits laboratoriais; equipamentos de saúde e outros dispositivos; insumos para a elaboração de produtos de interesse para a saúde; outras tecnologias úteis no combate à COVID-19.

O PL 1.462/20 visa apenas tornar a concessão de licenças compulsórias mais célere e eliminar, em contextos excepcionais de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional e/ou Nacional, possíveis atrasos desnecessários à concessão de licenças compulsórias.

Assim, observa-se que o PL 1.462/20, está em consonância perfeita com a Resolução da OMS redigida durante a 73ª Assembleia, bem como está adequada para um momento extraordinário que prioriza o enfrentamento da pandemia do COVID-19, a qual rapidamente atingiu níveis globais num contexto de ampla e rápida disseminação da doença.

É, afinal, pouco razoável supor que uma única fonte exclusiva de produção numa determinada indústria farmacêutica pudesse ser capaz de produzir e distribuir globalmente determinada tecnologia, com a celeridade e segurança a um preço justo, em quantidade compatíveis com as graves e urgentes necessidades que se apresentam para dar acesso igualitário e equitativo a todos os pacientes.[xxxi]

A questão está clara no mundo com a COVID-19 ou pós-pandemia, o sistema de propriedade intelectual deve oportunizar uma prática de gestão de propriedade, com vistas ao interesse público, a exemplo do licenciamento aberto, eliminando as barreiras na capacidade de industrialização de insumos necessários para a produção, distribuição e acesso a todos os países de forma igualitária.

 

 

[i] Disponível em: https://www.who.int/travel-advice Acesso em: 10 mai. 2020.

[ii] O Acordo TRIPS e o acesso a medicamentos nos países em desenvolvimento by Carlos M. Correa  in Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos versão impressa ISSN 1806-6445 versão On-line ISSN 1983-3342 Sur, Rev. int. direitos humanº  v.2 nº 3 São Paulo dez. 2005. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1806-64452005000200003 Acesso em: 10 mai. 2020.

[iii] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2001/010620_omc.shtml

[iv] Na legislação brasileira (Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996), está prevista a possibilidade de licenciamento compulsório de patentes está disposta, em suas diversas modalidades, no capítulo VIII, seção III, da LPI. A lei prevê a emissão de licenças compulsória por abuso de direitos (art. 68, da LPI), por abuso de poder econômico (art. 68, da LPI), por não exploração do objeto (art. 68, §1º, I, da LPI), por não satisfação das necessidades do mercado (art. 68, §1º, II, da LPI), por dependência (art. 70, da LPI), por emergência nacional (art. 71, da LPI) e por interesse público (art. 71, da LPI).

[v] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm Acesso em: 10 mai. 2020.

[vi] Disponível em: http://www.ictsd.org/bridges-news/pontes/news/a-primeira-licen%C3%A7a-compuls%C3%B3ria-de-medicamento-na-am%C3%A9rica-latina Acesso em: 10 mai. 2020.

[vii] Silva, Francisco Viegas Neves da; Hallal, Ronaldo; Guimarães, André. “Compulsory License and Access to Medicines: Economic Savings of Efavirenz in Brazil”. Presented during the XIX International AIDS Society Conference, 2012. Disponível em: https://pag.aids2012.org/PAGMaterial/aids2012/PPT/940_3379/cl%20efv%20final.pptx   Acesso em: 28 jul 2019.

[viii] Disponível em: https://fotospublicas.com/ministro-da-saude-eduardo-pazuello-participa-da-73a-assembleia-geral-da-saude/ Acesso em: 22 mai. 2020.

[ix] Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-05/pazuello-reforca-importancia-da-saude-universal-em-reuniao-da-oms Acesso em: 22 mai. 2020.

[x] “Work collaboratively at all levels to develop, test, and scale-up production of safe, effective, quality, affordable diagnostics, therapeutics, medicines and vaccines for the COVID-19 response, including, existing mechanisms for voluntary pooling and licensing of patents to facilitate timely, equitable and affordable access to them, consistent with the provisions of relevant international treaties including the provisions of the TRIPS agreement and the flexibilities as confirmed by the Doha Declaration on the TRIPS Agreement and Public Health” Disponível em:  https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/WHA73/A73_CONF1Rev1-enº pdf Acesso em: 20 mai. 2020.

[xi]  Disponível em:https://www.dw.com/pt-br/trump-amea%C3%A7a-retirar-eua-da-oms/a-53492650 Acesso em: 10 mai. 2020.

[xii]  Disponível em:https://www.ft.com/content/a815ac06-290e-4194-ac6a-4747ea9aa296 Acesso em: 21 mai. 2020.

[xiii] Disponível em: https://www.clarinº com/mundo/china-pisa-fuerte-asamblea-oms-promete-us-2-000-millones-coronavirus-vacuna-mundial-_0_peQcUZ7Yi.html Acesso em: 22 mai. 2020.

[xiv] Disponível em: https://www.sabado.pt/mundo/detalhe/ue-apoia-oms-e-diz-aos-eua-que-nao-e-o-momento-de-apontar-o-dedo?ref=DET_relacionadas_mundo Acesso em: 22 mai. 2020.

[xv] Disponível em: https://www.gesetze-im-internet.de/ifsg/index.html?_sm_au_=iVVvns5WHQ11sMDPvMFckK0232C0F Acesso em: 21 mai. 2020.

[xvi] Disponível em: https://wipolex.wipo.int/en/legislation/details/19382 Acesso em: 22 mai. 2020.

[xviii] https://dev2.gedai.com.br/as-licencas-compulsorias-no-contexto-da-pandemia-de-covid-19/

[xix] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2242787 Acesso em: 22 mai. 2020.

[xx] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1872758 Acesso em: 18 mai. 2020.

[xxi] Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875 Acesso em: 18 mai. 2020.

[xxii] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Decreto/D10212.htm#anexo.  Acesso em: 19 mai. 2020.

[xxiii] Disponível em: http://www.inº gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-fevereiro-de-2020-241408388 Acesso em: 15 mai. 2020.

[xxiv] Disponível em: https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6101:covid19&Itemid=875 Acesso em: 10 mai. 2022.

[xxv] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/ rt454-20-ms.htm Acesso em: 10 mai. 2020.

[xxvi] Disponível em: https://legis.senado.leg.br/norma/31993957 Acesso em: 10 mai. 2020.

[xxvii] Disponível em: http://www.abiaids.org.br/_img/media/EFAVIRENZ.pdf Acesso em: 19 mai. 2020.

[xxviii] Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por. Acesso em: 10 mai. 2020.

[xxix] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm. Acesso em: 10 mai. 2020.

[xxx] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3321.htm. Acesso em: 10 mai. 2020.

[xxxi] Disponível em: https://dev2.gedai.com.br/covid19-e-patentes-consideracoes-sobre-a-relevancia-de-superar-barreiras-de-patentes-e-garantir-acesso-a-medicamentos/ Acesso em: 11 mai. 2020.

Este post tem um comentário

Deixe um comentário