O PLÁGIO NA MÚSICA E OS DIREITOS AUTORAIS: TRAÇADOS SOBRE A LIBERDADE CRIATIVA E A COMPOSIÇÃO MUSICAL

MORENO BORGES DA SILVA, Marcella Paola[1]

BUZZO JUNIOR, Osny[2]

 

A lei n. 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 (LDA) surge com o intuito de regular os assuntos referentes aos Direitos Autorais e dispor de uma relação mais próxima com a proteção constitucional ao direito do autor – art 5º, XVII CF/88. Na parte destinada às obras, a LDA define que as “composições musicais” são produções devidamente classificadas como obras protegidas, tanto em sua letra, quanto sonoridade. Entretanto, para além disso, o dispositivo legal não trata diretamente sobre a violação desses direitos, expondo o confuso limiar entre a mera inspiração e propriamente a semelhança entre as obras. O que nos traz uma das maiores dificuldades quando a questão é distinguir o plágio dentro do ramo musical. A questão é: em que momento o estímulo passa a ser cópia?

Tal pergunta tenta ser respondida nas discussões doutrinárias e nas decisões judiciais com certa frequência, já que a brevidade do texto legal gera uma grande incompreensibilidade acerca dos limites da inspiração musical. Fato é que há muitos casos discrepantes com relação ao ferimento dos direitos autorais e estes, quando constatados, recebem o devido amparo pela Carta Magna, pela Lei dos Direitos Autorais e pelo Código Civil.

Nos exemplos e casos abordados ao longo deste boletim, a real problemática se pauta naqueles casos sucintos – que não apresentam deliberadamente a lesão ao direito ou não são levados diretamente à resolução judicial (boatos ou hipóteses). Para estes casos a musicalidade se torna um meio complexo diante de um rol limitado, ainda que muito grande, de notas e combinações musicais, que podem levar a “coincidências”.

 

Para ilustrar com um exemplo polêmico e, sem dúvidas, midiático, não é preciso ir muito longe. Lady Gaga e Madonna são figuras públicas internacionais, as quais diante dos boatos e uma série de comparações entre os fãs, quase entraram em um confronto judicial para discutir as possíveis semelhanças entre as músicas “Born This Way” e “Express Yourself”. Os apontamentos foram de que ambas as músicas possuíam a mesma base de formação e que, portanto, a equipe de produção de Lady Gaga teria plagiado a sonoridade musical de Madonna. Perante a repercussão midiática, Lady Gaga se pronunciou dizendo que as semelhanças eram passíveis de serem encontradas, mas que, contudo, estariam presentes apenas nos acordes da própria Disco Music, e poderiam ser usadas em qualquer outra composição.

Posteriormente, Madonna passou a fazer mashups em seus shows com as duas músicas, finalizando-as com “She’s Not Me”[3], do seu disco “Hard Candy”.  Hoje, as cantoras abandonaram as especulações a respeito deste caso, mas o que nos interessa é a análise acadêmica que podemos tirar dele; de fato, devemos entender um pouco mais ao longo desta exposição acerca das limitações da sonoridade musical, a produção dos gêneros musicais e a liberdade criativa dos autores.

A reprodução total ou parcial de uma obra depende diretamente da autorização do autor. Caso não haja tal anuência, haverá a expressa violação do direito de autor e, consequentemente, suas repercussões na esfera cível e até penal (conforme tipificação do art. 184 do Código Penal brasileiro). A pena de detenção é de 3 meses a 1 ano ou multa, na sua modalidade fundamental, para quem “violar direitos de autor e os que lhe são conexos”. Para que possamos entender, contudo, o motivo pelo qual essas leis foram estabelecidas, vale primordialmente advir de uma definição para o conceito de plágio.

De modo mais simples, o “plágio” disposto nos dicionários provém da ideia de “apropriação”. Seria utilizar-se de ideias e/ou propriamente as palavras alheias sem que se saiba a proveniência ou a origem das mesmas. Utilizar daquilo que não é seu e atribuir-lhe como próprio. O professor Marcos Wachowicz, em seu livro Plágio Acadêmico[4], diz que o historiador do direito pode falar do direito do autor de modo conexo à sua violação, na forma de plágio. E este surge a partir do momento em que “se tenha uma noção jurídica firme e segura sobre a propriedade”, para que, por se assim dizer, haja um estabelecimento de coisa que se possa ser plagiada.

Para adentrar no tema do plágio musical, vamos expor primeiramente uma indagação a respeito do plágio escrito – um das primeiras temáticas no direito autoral a ser amplamente discutida. O texto legal se encaixa de modo muito mais claro às interpretações diversas nos casos da literatura, já que é muito mais simples constatar a reprodução ou cópia de trechos literários e a citação sem créditos. Porém, se utilizarmos da linha de raciocínio ou trouxermos a mensagem do autor para produções pessoais, e com o intuito lucrativo, a partir de que momento se perderia a originalidade configurando-se plágio?

Se imaginarmos um livro que conta a história de um garoto bruxo, que sobreviveu a um ataque que matou seus pais, com carga marcante de um evento e, a partir desses acontecimentos, vive uma série de aventuras num mundo mágico, fica claro que estamos nos referindo às obras de “Harry Potter”. E, ainda que se utilizasse destas características para compor obras com diferente nome, diferentes ambientes e diferentes personagens, seria quase impossível o não estabelecimento de uma correlação direta de cópia ou propriamente o plágio, já que a essência da criação segunda estaria diretamente presente na primeira.

Voltando ao tema principal, no caso das músicas, o cenário é muito mais nebuloso, pois a composição musical possui muitas camadas, instrumentos, melodia, acordes, letra, ritmo, tempo e uma porção de outras variáveis. Fazendo-se ser muito mais difícil, portanto, a captação de uma composição como essencialmente imitadora de outra.

O grupo musical “The Axis Of Awesome”, na música “4 Chords”, exemplifica muito bem 40 músicas que podem ser tocadas na mesma sequência de acordes[5]. Mostrando que, embora complexas no produto final, a sonoridade apresenta um número mais reduzido de notas musicais que harmonizam-se entre si. E por consequência disso, o critério mais comum e imediato da acusação de plágio, se dá pela semelhança, pelo “lembrar” ou pelo ser confundível.

As produções, enquanto cada vez mais tecnológicas, permitem desde os grandes estúdios conceituados, os demais profissionais liberais e até mesmo aquele amador, que deseja fazer sua própria produção, realizarem a criação e manipulação de áudios através de programas. O auto-tune é um exemplo; é uma espécie de software que permite a edição e manipulação de áudio[6]. O Digital Audio Workstation (DAW), por sua vez, permite a criação de composições totalmente digitais[7], possibilitando a criação musical de maneira autônoma pelos usuários. Tais mecanismos de composição musical também são usados por grandes artistas. O hit “Sorry” do cantor Justin Bieber, que foi produzido pelo DJ Skrillex, possui muito trabalho digital. Justin foi processado pela cantora Casey Dienel mediante à acusação de se utilizar ou copiar trechos da música “Ring The Bell”, da mesma[8].

Para os nossos estudos, o mais curioso neste caso foi o vídeo postado por Skrillex, onde o produtor demonstrou o processo de criação do Riff de “Sorry”, explicando que apenas se utilizou de áudios da própria música manipuladas com auto-tune[9], provando que apesar de semelhantes ambas foram criadas de formas completamente autônomas. E, consequentemente, provocou mais uma vez a respeito dos impasses da caracterização de cópia musical e a extensão da liberdade criativa.

Já caminhando para a conclusão do presente trabalho, estabelece-se de vez uma relação quase que inconfundível entre o autor autônomo e os fatos do seu cotidiano, como as experiências pessoais e formadoras da sua aptidão musical particular. Dessa forma, com certeza não é possível que o escritor ou o compositor se liberte completamente de suas experiências literárias e artísticas. É razoável afirmar que um artista cria a música ao seu próprio gosto musical, e que, por conseguinte, traz consigo uma grande bagagem de vivências dentro do gênero escolhido por ele traçar.

Novamente inspirando-se na saga “Harry Potter”, em seu primeiro livro “A Pedra Filosofal”, tem-se como objeto do título uma substância da alquimia medieval denominada “Pedra Filosofal”, considerada o elixir da vida. Temos deste modo, um exemplo claro de inspiração nos fatos históricos sobre o conceito de “magia”, afirmado pela própria escritora[10], pois a alquimia representou uma grande fonte de criações para as mais diversas fantasias, presentes na grande saga e em muitas outras obras literárias.

A inspiração nos períodos históricos, portanto, não se mostra muito distante analiticamente das inspirações baseadas nos fatos cotidianos. O mesmo autor que utiliza de obras da alquimia para inspirar-se, pode utilizar de obras mais contemporâneas com o mesmo fim. Na música, o processo de criação se entrelaça da mesma forma; o conteúdo consumido pelo autor repercute diretamente em sua produção.

A palestra de Mark Ronson na temática da música e dos gêneros musicais demonstra de forma clara e prática as ideias propostas acima. O DJ, através do sampling, demonstrou de que forma os gêneros musicais caminham ao longo do tempo reformulando-se entre si[11]. De maneira que, ao final, podemos observar com clareza a correlação dinâmica entre as raízes daquilo que se considera contemporâneo e que um dia, servirá de inspiração para um novo gênero a se posicionar diante da classificação. Os gêneros musicais não fogem de sua memória constitutiva, bem como os artistas não fogem de suas experiências pessoais musicais.

Por fim, nos é permitido perceber o grau de sutileza do tema agora finalizado. No que diz respeito às suas delimitações legais e aos entendimentos à ele admitidos, plágio pode ser caracterizado de maneira fácil ou abrir espaço para um grande cenário de discussões. A liberdade criativa esbarra nas mais diversas temáticas abordadas, e a inspiração e composição musical estão diretamente correlatas à construção de obras tanto literárias, quanto as de melodia.

[1] Graduanda no 2º ano do curso de Direito no Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba) e pesquisadora padawan do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial (GEDAI) da Universidade Federal do Paraná
[2] Graduando no 3º ano do curso de Direito no Centro Universitário Curitiba (Unicuritiba) e pesquisador padawan do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial (GEDAI) da Universidade Federal do Paraná
[3] MADONNA TARGETS LADY GAGA WITH ‘EXPRESS YOURSELF’/ ‘BORN THIS WAY’ MASHUP, MTV news, <http://www.mtv.com/news/1685970/madonna-lady-gaga-mash-up/>
[4]WACHOWICZ, Marcos. Plágio Acadêmico. Disponível em <www.gedai.com.br>
[5] 4 Chords | Music Videos | The Axis Of Awesome, <https://www.youtube.com/watch?v=oOlDewpCfZQ>
[6] Como funciona o autotune | Nerdologia, <https://www.youtube.com/watch?v=Qhyi3Z66y4c>
[7] Digital Audio Workstation, <https://pt.wikipedia.org/wiki/Digital_audio_workstation>
[8] Justin Bieber and Skrillex sued over vocal loops on Sorry <https://www.theguardian.com/music/2016/may/27/justin-bieber-skrillex-sued-sorry-casey-dienel-white-hinterland-ring-the-bell-riff>
[9] Skrillex explains how sorry wasn’t plagiarised <https://www.youtube.com/watch?v=8nIm-pNTezE>
[10] BBC Harry Potter A History of Magic with J. K. Rowling 2017 <https://www.dailymotion.com/video/x690bzv>
[11] Mark Ronson: Como o sampling transformou a música <https://www.youtube.com/watch?v=H3TF-hI7zKc>

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